Quando eu morrer
Não falem de mim
Não quero ser falado!
Apenas meu corpo
Feito cinzas calcinado
Na imensidade do deserto
Meu túmulo sempre aberto
Pròdigamente dispersado!
E o vento me soprará
E a espuma do mar escreverá
Na areia molhada que pisei:
-Tudo o que tive! Um dia fora meu!-
“Aqui jaz alguém que muito amou
Alguém que o mundo já deixou
Alguém que o mundo já esqueceu
E que um dia o mundo lembrará! ”
Rogério do Carmo
Paris, 8/7/1989
Ergo os meus braços ao alto
Cada vez mais alto
A dissimular os meus gestos tardios
As mãos inertes tombadas
E os dedos vazios
E atiro o meu riso fictício
A desviar as lágrimas inúteis
Da minha dor autêntica
Há muito já fechada e lacrada
Secousse-me a fonte divina
Das lágrimas sentidas
Já não tenho mais lágrimas
A ocultar de ninguém !
Tive lágrimas
Na meia-noite em que ninguém desceu pela chaminé
Onde fui colher um sapato vazio !
Tive lágrimas
No dia em que descobri
Que o coração das pessoas não é mais
Do que um orgão vital !
Tive lágrimas
No dia em que te amei
Mais lágrimas quando te possuí
E muitas mais
Quando perdido te deixei !
Em teus braços
inconsciente
Dormi, dormi e sonhei
E quando verdadeiramente me acordaste
Chorei, chorei, chorei…
Tive lágrimas
No dia em que escrevi o meu primeiro poema
E agora
Os meus poemas
São as únicas lágrimas que ainda me restam…
Mafra, 2 de Outubro, 1950